Depressão no paciente idoso: qual seu efeito na avaliação cognitiva?
Quais os efeitos cognitivos do transtorno depressivo maior no idoso?
O transtorno depressivo maior (vulgo “depressão”) é um transtorno mental grave, em geral crônico, que afeta significativamente o humor do paciente. O diagnóstico de depressão maior envolve a presença de um conjunto de múltiplos sintomas, sendo dois deles considerados os sintomas centrais do quadro: disforia (humor deprimido) e anedonia (perda de prazer). Junto a ao menos um destes o paciente deve ter ainda um conjunto de outros sinais, totalizando ao menos cinco sintomas: mudança significativa do peso ou apetite, mudanças no padrão de sono, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou falta de energia, sentimentos de culpa ou inutilidade, queixas cognitivas ou dificuldades em tomar decisões e pensamentos recorrentes de morte. Não apenas isso, mas o paciente deve ter sintomas presentes a maior parte do tempo e com impacto expressivo em seu funcionamento psicossocial por no mínimo duas semanas, e nenhuma outra causa provável para o quadro. Uma boa referência sobre o tema é o tradicional compêndio de psiquiatria de Kaplan e Sadock.
Ao contrário do imaginário popular, pessoas, mas velhas são em geral mais felizes e possuem melhor saúde mental quando comparadas a pessoas mais novas. Um exemplo disso é um estudo populacional realizado na cidade de São Paulo, onde a prevalência da maior parte dos transtornos mentais é menor nos idosos quando comparados à população mais jovem. Gosto muito de um Ted Talk sobre o tema, feito pela psicóloga Laura Carstensen. Contudo os idosos são mais propensos a vivenciarem episódios usualmente associados ao início de um quadro de transtorno depressivo maior, por exemplo piora da vida financeira, a perda de um ente querido ou a mudança radical de rotina decorrente da aposentaria. Isso faz com que, quando aconteça, a depressão no idoso seja um quadro de grande relevância clínica. Manuais específicos sobre saúde mental do idoso detalham tais características.
Quais os efeitos cognitivos do transtorno depressivo maior no idoso? Um dos pontos centrais para respondermos esta pergunta é investigar quando o quadro de depressão teve início. Parece que a depressão de início tardio, aquela que ocorre após os cinquenta anos de idade em um paciente sem histórico do quadro, parece particularmente propensa a gerar dificuldades cognitivas. É possível que a depressão de início tardio apresente uma neurobiologia diferente da depressão convencional, o que a conectaria com um maior risco para o desenvolvimento de demência. Nesses casos os déficits cognitivos são mais pronunciados, e na maior parte das vezes mensuráveis por testes psicológicos e neuropsicológicos padronizados.
E qual seria o perfil de dificuldades cognitivas mais característico? Em geral, temos três déficits consistentes nos pacientes idosos deprimidos. O primeiro é uma redução significativa da velocidade de processamento de informações, que se reflete em praticamente todas as tarefas cronometradas utilizadas na avaliação destes pacientes. O segundo déficit consistente é o comprometimento das funções executivas, que pode ser específico de subcomponentes destas funções (controle inibitório, memória de trabalho ou flexibilidade cognitiva) ou então um déficit mais global, afetando múltiplos componentes. Documentamos estas dificuldades há alguns anos utilizando o Teste dos Cinco Dígitos por exemplo. O outro déficit encontrado na depressão de início tardio são dificuldades de memória. Pacientes deprimidos de forma geral apresentam dificuldades na evocação de conteúdo em testes de memória, mas em apresentam bom desempenho em testes de reconhecimento. Um exemplo dessa dissociação foi o estudo que realizamos com pacientes idosos deprimidos e queixas cognitivas, usando o teste RAVLT.
As informações acima são sintetizadas em alguns livros sobre neuropsicologia e envelhecimento, incluindo o livro Neuropsicologia Geriátrica – cujo foco são as principais condições de saúde que afetam a saúde mental do idoso, o livro Neuropsicologia do Envelhecimento – que aborda de forma mais ampla o envelhecimento cognitivo, o livro Psicogeriatria na Prática Clínica – com enfoque mais biomédico e por fim no livro de bolso Avaliação Multidimensional do Idoso.
1- Jonas Jardim de Paula. Psicólogo, mestre em neurociências (UFMG) e doutor em medicina (UFMG). Pós-doutorado no Laboratório de Neurociências da
Faculdade de Medicina da UFMG.