Os desafios de crianças e jovens com altas habilidades/superdotação em tempos de pandemia

Pais e professores terão que se reinventar nesse ‘novo normal’

Ser curioso, adotar uma postura crítica, gostar de desafios, ter um bom raciocínio lógico e pensar ‘fora’ do lugar-comum, são indicadores que costumam apontar um perfil com altas habilidades/superdotação.

Aos 10 anos de idade, enquanto brincava numa praça no centro de Porto Alegre (RS), uma menina chamou a atenção de uma professora de educação física. Para a professora, a garota tinha perfil de atleta e, depois daquele encontro, a menina treinou e, se tornou uma das maiores esportistas brasileiras. Esta é a história da ginasta Daiane dos Santos, que por estar no lugar certo e na hora certa, foi descoberta e se tornou referência no esporte. ‘Perfil’ de atleta, de artista e também acadêmico pode significar um indivíduo com indicadores de Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD), entretanto, o que isso significa?


Denise Jamus, psicóloga pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre em Medicina Interna e Ciências da Saúde pelo Hospital das Clínicas (HC) da UFPR, aponta que indivíduos com altas habilidades/superdotação não estão associados exclusivamente à inteligência acadêmica. Segundo a psicóloga, “se a gente levar em conta a própria definição da Política Nacional de Educação Especial (do Ministério da Educação), além de ser considerada uma elevada potencialidade na capacidade intelectual geral, também são apontadas aptidões acadêmicas específicas, o pensamento crítico, indutivo, capacidade de liderança, habilidades na área de artes, cultura, e também habilidades psicomotoras”. Segundo o Ministério da Educação (MEC), esses indicadores podem ser isolados ou combinados, e também incluem elevada criatividade, grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse.


Fabiane Chueire, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), professora da rede pública de ensino e uma das coordenadoras da Especialização em Altas Habilidades/Superdotação do Instituto Genus, reforça que “não necessariamente é aquele aluno que tira boas notas. Eu já tive casos que o aluno queria fazer parte do grupo do ‘fundão’, e se ele fosse visto como um aluno bom na escola, ele perdia o grupo. Então, embora ele soubesse as respostas certas, não gabaritava, só para não perder contato com os amigos. Eles são muito espertos”.


Dentre os teóricos mais utilizados no Brasil, estão o psicólogo educacional Joseph Renzulli, que apresenta o conceito dos três anéis que consiste em habilidade acima da média, comprometimento com a tarefa e criatividade. Segundo o autor, estes três elementos compõem os 'anéis' e apontam se o indivíduo tem ou não altas habilidades/superdotação. Já Robert Sternberg discute a ideia de inteligência e aborda o tema como a capacidade necessária para o indivíduo obter sucesso na vida, o que ele denomina como ‘inteligência plena’, considerada por ele como sendo analítica, criativa ou prática e Howard Gardner aborda o conceito das ‘múltiplas inteligências’, sendo elas: linguística, lógico-matemática, espacial, pictórica, musical, corporal-cinestésica, naturalista, interpessoal e intrapessoal. O autor reforça que tais inteligências existem no cérebro de todos os seres humanos, entretanto, cada um tem as que são mais e menos desenvolvidas.


Ser curioso, adotar uma postura crítica, gostar de desafios, ter um bom raciocínio lógico e pensar ‘fora’ do lugar-comum, são indicadores que costumam apontar um perfil com altas habilidades/superdotação, como enfatiza Denise: “São pessoas que costumam ter mais facilidades para estabelecer associações com diferentes tipos de ideias. Costumam ter um nível de exigência mais elevado, são muito críticos, além das características socioemocionais como intensidade, sensibilidade, um senso moral mais aguçado”. A psicóloga destaca que “tudo vai depender da junção dessas características e geralmente a gente não vê todas elas, mas sim um conjunto, entretanto, vai depender do perfil de cada criança, das suas áreas mais fortes”. No Brasil, a entidade responsável pelos indivíduos AH/SD é o Conselho Brasileiro para Superdotação (ConBraSD) que atende o Brasil inteiro. A cada dois anos, esse conselho faz um evento, que em 2020 foi online. Para Fabiane, as associações são importantes “para estimular a troca de ideias e experiências, buscar garantias da efetivação da cultura e da legislação”.


Os desafios para um indivíduo com altas habilidades/superdotação são muitos e vão desde a saúde mental até a infraestrutura proporcionada pela escola. Fabiane, além de professora da rede pública, atua há mais de 15 anos com alunos desse perfil. A professora sublinha que há dificuldades, principalmente em um país como o Brasil, permeado por desigualdades educacionais. “A parcela da população com altas habilidades/superdotação está inserida no âmbito da educação especial e, geralmente, quando você fala em educação especial você pensa em deficientes, em transtornos de aprendizagem. Alunos com AH/SD também tem a sua angústia, enfrentam suas próprias situações”, conclui a professora.


Além do problema educacional, a psicóloga Denise destaca a saúde mental desses indivíduos, que possuem uma intensidade emocional diferente dos demais. “É importante que eles compreendam essas características porque possivelmente eles não vão mudar, são características que fazem parte do seu desenvolvimento e que tem fatores positivos e negativos. Então, o mais importante, é a compreensão dessas características para que o indivíduo entenda e aprenda a lidar com elas, e também para que o meio, os familiares, as pessoas ao redor, não reforcem os aspectos negativos dessas características e auxiliem o indivíduo a se equilibrar em relação a esses aspectos”.


A pandemia, causada pelo novo coronavírus, tende a intensificar essas dificuldades, já que cada indivíduo responde de uma forma. Para Denise, a intensidade emocional e a sensibilidade são fatores que contribuem para um maior sofrimento desses indivíduos com altas habilidades/superdotação. "O que eu vejo é uma angústia maior, muita ansiedade e estresse, sintomas de depressão em virtude dessa própria intensidade e do abandono de atividades. Alguns estão conseguindo se adaptar, sendo mais flexíveis, outros, nem querendo voltar e já sofrendo muito. Em geral essa sensibilidade e intensidade maior, essa preocupação com a sociedade e com o que vai acontecer, influenciam muito na resposta desse indivíduo à pandemia”.


As situações vivenciadas por indivíduos com altas habilidades/superdotação são inúmeras. É nesse sentido, que a professora Fabiane, aposta na criatividade para ajudar pais e alunos a lidarem com a pandemia. Ela pontua que os pais pedem sugestões de livros, jogos, para incentivar a criatividade dentro de casa. “Essas crianças têm muito potencial guardado e daí eles demandam mais recursos dos pais. Eu tenho a situação de um aluno onde há um celular para três filhos, então como é que você usa o mesmo celular para toda a família e para fazer tarefa?”. A professora ainda ressalta que tanto profissionais da área da educação quanto os psicólogos terão que reaprender, para atender e acolher esses alunos, afinal, “é uma história diferente que estamos vivendo e a gente vai ter que saber viver”, conclui.


Disponibilizamos gratuitamente uma série com 3 e-books sobre o tema. Cada e-book é focado em um assunto específico da área e você pode baixar conforme o seu interesse.

Volume 1: “Compreendendo as Altas Habilidades/Superdotação" http://bit.ly/ebookAHSD 

Volume 2: “O que é superdotação?” http://bit.ly/ebooksuperdotacao 

Volume 3: “Como auxiliar crianças superdotadas" https://bit.ly/ebookAHSD3 

Caso se interesse, a Sapiens em parceria com o Instituto Genus, oferece uma Especialização em Altas Habilidades/Superdotação. Visite nossa página e saiba mais: https://www.institutogenus.com.br/cursos/altas-habilidades-superdotacao 

Boa leitura!

Por: César H.S. Rezende - Jornalista e Analista de Conteúdo da Sapiens